Projeções climáticas
Foto: Melquizedeque Almeida
Cenários gerados com o NCAR/CESM 2 implementado no LAMMOC/UFF
O Community Earth System Model (CESM; HURREL et al., 2013) do National Centre for Atmospherical Research (NCAR) é um sistema de modelagem numérica do sistema terrestre composto por modelos globais que simulam, de maneira simultânea, a atmosfera, oceano, rios, superfície e cobertura de gelo, além de possuir um módulo que atua no acoplamento destes modelos, permitindo conduzir pesquisas sobre o estado passado, presente e futuro do clima, tanto com alcance temporal de meses até décadas ou centenas de anos. O CESM é composto por sistemas de equações diferenciais que descrevem a dinâmica dos fluidos, transferências radiativas, composições químicas, e etc. O planeta é dividido em uma grade tridimensional para resolver as equações e os processos subgrade são parametrizados. (HURREL et al., 2014). A escolha da utilização deste modelo é justificada por ser de distribuição livre e código aberto, o que facilita potenciais alterações necessárias para sua adequada implementação. O CESM pode ser instalado em diferentes plataformas de hardware, desde que sejam disponibilizados diversos núcleos de processamento (CESM User's Guide).
Os modelos constituintes do CESM na versão 2.0 são: CAM6, CLM4, CICE, POP2, CICE4 e RTM, que serão descritos a seguir, e podem ser configurados de diferentes formas, tanto para estudos científicos quanto para análises técnicas de seus resultados. Além destes, também estão disponíveis os modelos CAM6-CHEM, que representa a química da atmosfera no CESM (LAMARQUE et al. 2012); e o Whole Atmosphere Community Climate Model (WACCM; MARSH et al. 2013), que não serão descritos neste trabalho.
Para investigar os efeitos de um novo período de grande mínimo solar no sistema climático, foram elaborados dois experimentos, que serão explorados neste projeto.
O primeiro denominado CTRL (caso controle), com o modelo sendo executado sem alterações e o segundo experimento, denominado GSM (Grand Solar Minimum), com a forçante solar alterada a partir do ano 1950, O CESM utiliza arquivos no formato NETCDF como condições iniciais (input). O diretório em que estes arquivos são localizados na máquina é configurado pela variável ambiente $CCSMINPUT no sistema operacional Linux.
A University Corporation for Atmospheric Research (UCAR) disponibiliza em seu servidor (https://svn-ccsm-inputdata.cgd.ucar.edu/trunk/inputdata/) diversos arquivos de condições iniciais (input) para as simulações do CESM. Estes arquivos são inseridos no arquivo de configurações do modelo (também conhecido como namelist que, neste caso, é o arquivo user_nl_cam) para que sejam utilizados ao longo das simulações.
No servidor da UCAR, os arquivos iniciais do modelo CAM6 relacionados aos diferentes forçantes solares estão disponíveis em https://svn-ccsminputdata.cgd.ucar.edu/trunk/ inputdata/atm/ cam/solar/.
O arquivo utilizado é o SolarForcingCMIP6_18491230-22991231_c171031.nc, que corresponde a uma composição entre a forçante solar histórica (de 1850 a 2014) com um cenário futuro de referência (2015 a 2299) do CMIP6.
De acordo com MATTHES et al. (2017), para o período histórico, as séries temporais de TSI e SSI do CMIP6 são definidas no arquivo como médias de dois modelos de atividade solar. Um deles é empírico (NRLTSI2/NRLSSI2 - CODDINGTON et al., 2016) e o outro semiempírico (SATIRE - YEO et al., 2014).
Para a construção do cenário futuro de atividade solar, existem duas abordagens. A primeira é utilizar modelos de dínamo solar e a outra é inferir as variações futuras baseadas nas variações do passado (MATTHES et al., 2017).
A primeira abordagem leva em consideração que a área de estudos de modelos de dínamo solar tem obtido relevantes avanços com o desenvolvimento de novos modelos deste tipo (CHARBONNEAU, 2014). A segunda abordagem consiste em fazer uma previsão probabilística sobre a atividade solar futura baseada nas condições atuais e nas variações passadas da atividade solar (MATTHES et al., 2017).
O arquivo da forçante solar do CMIP6 é então disponibilizado com valores diários de TSI e SSI, abrangendo os anos entre 1850 e 2300. Este arquivo foi então alterado para incluir um período artificial de mínima atividade solar do tipo Mínimo de Maunder (grande mínimo solar) a partir do ano 1950 até o ano 2000 para ser utilizado como condição solar para o CESM.
O grande mínimo solar de TSI e SSI foi calculado utilizando a metodologia de MEEHL et al. (2013), sendo a média dos últimos três períodos de mínimo do ciclo de Schwabe, e multiplicado por um fator para reduzir os valores em 25%. A média calculada de TSI dos últimos três mínimos solares foi de 1361 Wm-2 e, após a aplicação do fator multiplicador, a TSI assumiu o valor de 1357,6 Wm-2, sendo este valor tornado a constante correspondente ao grande mínimo inserido artificialmente na série.
Depois de construído o grande mínimo solar artificial, foi gerado o arquivo “grandsolarminimum_1950_ SolarForcingCMIP6_18491230-22991231_c171031.nc”, para ser utilizado como condições iniciais do CESM. Desta forma, foi necessário alterar o conteúdo do arquivo user_nl_cam, onde foram alteradas as informações correspondentes às variáveis “solar_data_file” (onde é declarado o caminho e o arquivo de condições solares) e “solar_data_type” (configurado como SERIAL para utilizar a série temporal do arquivo). Os dois experimentos foram iniciados utilizando condições iniciais do ano de 1850 para simular o sistema terrestre até o ano 2000, ou seja, 150 anos, utilizando um dos casos (compsets) disponibilizados (BHIST) pelos desenvolvedores, com todos os modelos ativados.
A resolução de grade escolhida foi a f19_g17, que corresponde a 96 pontos de grade em latitude e 144 pontos em longitude, ou seja, 1,9ºx2,5º de resolução horizontal do modelo atmosférico, com 32 níveis verticais; 1,9°x2,5 do modelo de solo, aproximadamente 1°x1º no modelo oceânico e de gelo, e 360x720 pontos em latitude e longitude, respectivamente, do modelo de escoamento superficial (MOSART).
O experimento CTRL foi divido em duas partes. A primeira, denominada CTRL_pre corresponde ao período de tempo entre 1850 e 1950. A segunda parte, denominada CTRL_pos, corresponde ao período restante, entre 1950 e 2000.
O experimento GSM foi executado com o mínimo solar artificial a partir do ano 1950. Entre os anos 1850 e 1950, os experimentos GSM e CTRL_pre são iguais. Portanto, o experimento GSM é referente apenas do período entre 1950 e 2000. O padrão de concentração de CO2 do compset BHIST apresenta um comportamento de aumento ao longo de todo o período. Entre o ano 1850 e 1950, a tendência é de aumento mais lento. A partir de aproximadamente 1950, o aumento é intensificado. Esta é a única diferença que ocorre entre CTRL_pre e CTRL_pos.
O experimento GSM também utiliza o mesmo padrão de concentração de CO2. Desta forma foram obtidos com o CESM 2.0 dois cenários, um considerando as taxas atuais de aumento de CO2 na atmosfera e outro considerando este mesmo aumento, mas com uma diminuição da energia incidente do sol. Estes cenários serão somados aos cenários obtidos com os modelos do IPCC para a elaboração dos mapas de vulnerabilidade climática do Brasil.
Cenários do IPCC
O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC - Intergovernmental Panel on Climate Change) foi criado em 1988 no âmbito da ONU e a partir de iniciativas da WMO e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente - PNUMA. Seu objetivo inicial consistia na elaboração de uma revisão bibliográfica do conhecimento relativo às mudanças climáticas e seus impactos sociais e econômicos, além de estabelecer recomendações e estratégias para a criação da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (IPCC, 2021).
Desde sua criação, o IPCC atua para proporcionar o acesso às informações técnicas, científicas e socioeconômicas relevantes para as questões envolvendo mudanças climáticas. O Painel também atua na divulgação do estado da arte da modelagem climática computacional e no estabelecimento de um consenso sobre as tendências de mudança do clima, reunindo todas estas informações nos Relatórios de Avaliação (AR - Assessment Report), divulgados em ciclos de aproximadamente 6 anos (IPCC, 2021).
Os AR apresentam projeções de mudanças climáticas futuras com base em diferentes cenários, assim como os seus riscos associados, e fornecem uma base científica para que os governos possam desenvolver políticas relacionadas ao clima. Desde sua criação, já foram produzidos pelo IPCC seis relatórios, com a divulgação completa do último relatório ocorrendo em 2022 (IPCC, 2021; MCTI, c2021). Um dos pontos relevantes dos ARs consiste na abordagem dos resultados a partir de experimentos nos quais são empregados cenários de mudanças climáticas, que representam a possível evolução das emissões de substâncias com efeito radiativo potencial (Gases de Efeito Estufa - GEE e aerossóis), associada às forçantes socioeconômicas e culturais.
Desde o Quarto Relatório (AR4), os ciclos de avaliação do IPCC empregam e divulgam os dados produzidos pelo Projeto de Intercomparação de Modelos Acoplados (CMIP) (TAYLOR et al., 2012; TOUZÉ-PEIFFER et al., 2020). Em sua sexta fase (CMIP6), as simulações tiveram o intuito de superar as desvantagens identificadas nas fases anteriores, incluindo modelos de última geração com valores de equilíbrio e sensibilidade climática mais altos, além de maior resolução e representação mais consistente dos aerossóis atmosféricos. (RIVERA; ARNOULD, 2020; SRIVASTAVA et al., 2020). Nesta nova etapa, as rodadas históricas foram realizadas para o período de 1850-2014, considerando forçantes climáticas naturais, como erupções vulcânicas e variabilidade solar e orbital, além de forçantes antropogênicas associadas às emissões de gases de efeito estufa e o uso e cobertura do solo (COOK et al., 2020).
Durante a elaboração do Sexto Relatório (AR6), foram adotados cenários de evolução climática denominados Caminhos Socioeconômicos Compartilhados (SSP - Shared Socioeconomics Pathways). Os SSPs estabelecem os níveis de forçamento radiativo ao final do século XXI e foram construídos a partir modelos de avaliação integrados, respeitando também estimativas de crescimento econômico, governança global e ações de mitigação climática (COOK et al., 2020; MISHRA et al., 2020). No Quadro 1 é possível observar um resumo das principais características dos cenários SSP referentes ao CMIP6/AR6.